Farofa Carioca: crítica social, irreverência e protagonismo em “Rap do Negão”

No Mês da Consciência Negra, o grupo Farofa Carioca reuniu os vocalistas de ontem e de hoje Seu Jorge, Gabriel Moura e Mario Broder para o lançamento do single “Rap do Negão – citações: Upa Neguinho e Negro Não Sabe O Que É Dor”, que chegou ao streamig dia 19 de novembro via Universal Music. A música gravada para o álbum “Moro no Brasil”, de 1998, não entrou no disco original e quando a banda e a gravadora trabalharam para o lançamento recente do álbum nas plataformas digitais, “Rap do Negão” foi resgatado recebendo nova mixagem e masterização. A música discorre sobre o sentimento e vivências de ser preto no Brasil, entre preconceitos e conquistas.

“Há 27 anos o racismo recreativo era uma prática comum. Piadas eram contadas a todo momento e, apesar de incomodar tanto quanto hoje, eram toleradas por nós e pela sociedade. Hoje não mais. Não mais porque as pessoas são agredidas, desumanizadas, violentadas, presas e morrem por conta do racismo. Não é só uma brincadeira. Não é uma piada. Falar sobre o tema naquela época era considerado algo chato, as pessoas desdenhavam: ‘Lá vem você com esse papo de novo…’. Não havia a prática da inclusão social como existe hoje na TV, na publicidade e nos quadros mais graduados das empresas”, reflete Gabriel Moura.

Para celebrar o retorno da banda à ativa, a faixa ganhou também a voz do atual vocalista Mario Broder, se unindo a Seu Jorge e Gabriel Moura na interpretação. “Me sinto muito orgulhoso de ver e ser parte de um trabalho que amo e ao mesmo tempo respeito, mostrando suas origens e apontando pro futuro com inteligência e alegria em forma de música”, afirma Mario Broder.

Embalada pelo contagiante suingue do Farofa, “Rap Do Negão” ganha contornos de jongo com a citação do ponto de capoeira “Negro Não Sabe O Que É Dor”, ecoando os tambores ancestrais do Mestre Darcy do Jongo da Serrinha e o vocal lancinante de sua esposa Dona Su. Surpreende também com nuances de samba-jazz a citação de “Upa Neguinho” (Edu Lobo / Gianfrancesco Guarnieri), adornada pela deslizante flauta de Bertrand Doussain sob arranjo de cordas do Maestro Victor Chicri. Quando a canção foi escrita, não mencionava as mulheres pretas, que hoje entende-se claramente que são ainda mais afetadas e subjugadas do que os homens, com misoginia além do racismo. “A participação da Dona Su nos vocais traz essa presença feminina necessária para reparar e validar o discurso e a própria canção”, explica Gabriel.

Com irreverência e crítica social, características marcantes do grupo, o single aponta a opressão histórica sobre a raça negra e a normalização do racismo na sociedade em frases como: “Tudo começou com a tal da escravidão / Onde todo sacrifício era nas costas do negão”. Ou ainda: “É, meu irmão, não é fácil ser negão / se eu for correr na praia, vão dizer ‘pega ladrão’”; e no refrão “Me chamam de negão, de pedaço de carvão / De cromado, de fumaça, de café e de feijão”.

“O termo ‘Negão’ foi abolido do nosso vocabulário, já que ele denota um tratamento pejorativo e desrespeitoso. Por outro lado, as pessoas pretas de todas as matizes continuam sendo maioria entre a população de rua, continuam sendo alvo da polícia, presas e mortas em volumes muito maiores. Operações policiais promovem verdadeiras chacinas, massacres, genocídio do povo negro dentro de comunidades como aconteceu no Jacarezinho, Vila Cruzeiro, Senador Camará e, mais recente ainda, no Complexo da Penha com mais de 120 mortos, incluindo 4 policiais”, afirma Gabriel.

A mensagem da letra muda de tom ao destacar a potência do negro e seu diferencial quando em igualdade de condições sociais e oportunidades: “Mas eu sei que você sabe/ Tá cansado de saber / Quando eu chego na parada / É que começa a acontecer / Me deixa estudar, aprender, escrever / Deixa eu ler que você vai ver / Quando eu chego na parada / É que começa a acontecer”.

“A música produzida hoje nas comunidades do Rio toca nas boates mais badaladas de Londres, Paris e Nova York. Diretamente de pequenos estúdios dentro de favelas para as festas hypadas de Los Angeles, Miami e por aí vai, sem intermediários formais. Não dependem de gravadoras, jornalistas, dos intelectuais, simplesmente bombam na internet e furam a bolha. Mas isso é um reflexo da Internet”, aponta.

A capa do single reflete esse protagonismo, na obra do artista visual paulistano Robinho Santana. A imagem traz um jovem negro semi-encapuzado usando um capelo (chapéu de formatura) e segurando um diploma. O lançamento vem acompanhado por um Lyric Video assinado por Diego Aragão.

“O país avançou muito nessa busca de melhorar a qualidade da educação e das oportunidades para o jovem negro, mas fazer esse jovem chegar até a escola ainda é um desafio significativo”, diz Mario Broder. “As cotas nas universidades são fundamentais para aumentar a presença negra em áreas profissionais além do esporte, da música e trabalhos mais físicos do que intelectuais, mas só a educação ainda é pouco. É necessário dar dignidade, moradia, saneamento básico, trabalho e salários dignos, oportunidades de ascensão profissional, crédito e credibilidade”, completa Gabriel Moura.

O single “Rap do Negão” coroa a nova fase da banda, que retornou aos palcos em junho de 2025, lançou em outubro o Vinil duplo do aclamado “Moro no Brasil” (álbum disponibilizado nas plataformas digitais pela primeira vez em junho) e vem se apresentando em no Brasil e exterior com a nova formação e eventuais participações de Seu Jorge.

“Esse retorno trouxe pra nós uma enorme oportunidade de exercermos generosidade, perdão, espírito de equipe, humildade e reconhecermos a importância desse projeto em nossas vidas e em nossas carreiras. Não poderíamos fazer essa volta sem um de nós. Uma banda é feita de pessoas e a sua sonoridade e sua personalidade aparecem de fato quando combinados. É a flauta do Bertrand com o trombone do Carlão. O cavaco do Valmir e o baixo do Sergio com o meu vioão. As levadas das percussões do Wellington com o tantan do Sandrinho. As vozes do Mario, do Sandro, minha e ocasionalmente do Seu Jorge combinadas. Digo ocasionalmente porque a banda segue na estrada e nem sempre será possível contar com a presença dele. Mas estamos sempre juntos”, explica Gabriel Moura.

Confira a letra completa de “Rap do Negão”

(Seu Jorge, Gabriel Moura e Wallace Jefferson)
Citações: “Upa Neguinho” (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri) / “Negro não sabe o que é dor” (domínio público)

Tudo começou com a tal da escravidão
Onde todo sacrifício era nas costas do negão
Hoje a gente vê que o mundo está mudado
Eu sei que a vida é boa mas pro negro tá suado

Todo mundo diz que crioulo é tudo igual
Que só pode ser sambista ou jogador de futebol
Se a vida tá difícil, a coisa tá ficando preta
Quando o negro é muito grande dizem que animal, que animal! Que animal! Que animal!

É meu irmão, não é fácil ser negão
Se eu for correr na praia
Vão dizer: pega ladrão!!!

“Negro não sabe o que é dor
Negro não tem alma não…”
Assim dizia o feitor
Com seu chicote na mão…

Me chamam de negão, de pedaço de carvão
De cromado, de fumaça, de café e de feijão
Me chamam de negão, de pedaço de carvão
De cromado, de fumaça, de café, ô macaco!

Mas eu sei que você sabe
Tá cansado de saber
Quando eu chego na parada
É que começa a acontecer

Me deixa estudar, aprender, escrever
Deixa eu ler que você vai ver
Quando eu chego na parada
É que começa a acontecer.

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